Continuando nossa reflexão sobre as paróquias e sua renovação, vou utilizar a experiência dos chamados Discípulos de Emaús (Lc. 24,13-35), e parte da reflexão do Pe. Anísio Baldessin, no livro "Como fazer PASTORAL DA SAÚDE?" (Ed. Loyola, 2ª Edição, 2002 - SP).
A contribuição que o Pe. Baldessin deixou para a Pastoral da Saúde serve para qualquer pastoral, pois parte do pressuposto de que a Igreja "existe para evangelizar", e que a "finalidade da evangelização é provocar no homem uma mudança interior"
A Igreja está inserida nas mais diversas realidades da vida humana, sejam elas materiais ou espirituais. Vida. Morte, Saúde. Doença. Alegria. Tristeza. Esperança. Fé. Portanto, ela se adapta às realidades humanas para que "todos tenham vida, e vida em plenitude". Jesus anuncia o Reino de Deus, esta é novidade que "está no meio de nós". O Senhor se faz presente em nossas vidas. O Reino é a possibilidade de retorno à graça perdida com o pecado original (em outra oportunidade falaremos sobre isso). Aceitar com liberdade interior o Reino que vem ao nosso encontro. O Reino não é imposto. Ele é proposto (por mais que a vontade de Deus seja a salvação de todos, ele não impõem, mas propõem). Por isso, Jesus não força ninguém à conversão. Toda nossa ação pastoral deve se adequar à situação daquele que vai ser evangelizado. Partir de seu mundo. De sua realidade.
Abrindo um parênteses para uma breve digressão: (Neste ponto lembro-me bem dos Exercícios de Santo Inácio de Loyola, quando nos diz que os exercícios não nos devem levar a uma mudança de estado de vida, mas sim a sua reforma. Isto é, aqueles que já são casados, assim continuem de uma forma nova. Aqueles que já são consagrados, que sim se mantenham, com novo entusiasmo. O encontro com Jesus não muda a situação civil. Ele nos faz pessoas novas: "Eis que faço nova todas as coisas" (Ap. 21,5). Ele não extingue o que existe. Mas transforma. Transforma o interior. E aí, sim, "novo céu e nova terra". Novo homem e nova mulher.)
Dizíamos que "evangelizar é a missão da Igreja". E que esta é a razão de ser da Igreja. Mas poderíamos perguntar: o que é evangelizar? Resposta: anunciar a presença do Reino de Deus no meio de nós.
Pe. Baldessin partiu da história de Emaús para falar da pedagogia de Jesus na evangelização. E de como devem agir os seus discípulos. Dez passos, que podemos fazer no dia-a-dia, sem complicações. Pois se pararmos para analisar, com certeza veremos que fazemos isso no cotidiano de nossas ações: preparar-se, tomar a iniciativa, dialogar, confrontar, ensinar, fazer comunhão, revelar, converter, testemunhar.
O versículo 13 abre a narrativa mostrando a realidade daqueles discípulos. Haviam partido de Jerusalém, e estavam conversando sobre o que havia acontecido. Esta é nossa realidade. Conversamos sobre as coisas da vida. Sobre nossas frustrações. Sobre nossas esperanças. Sobre nossas alegria e tristezas. Mas às vezes, conversamos sobre nada.
Jesus percebe essa realidade. Sabe qual é a frustração daqueles discípulos. Conhece a sua realidade. Sabe das suas necessidades. A primeira ação no processo de evangelização é buscar conhecer a realidade exterior daqueles que serão evangelizados. Pois a forma como cada um reage às situações diversas da vida é diferente.
Segundo, "tomar a iniciativa". O versículo 15 nos apresenta um outro detalhe do processo de evangelização. Jesus "pôs-se a caminhar com eles". Queria saber do que falavam e comentavam. Qual o assunto que os afligia. Porque estavam cabisbaixos e decepcionados.
Tomar a iniciativa, "eis um dos maiores desafios da pastoral", da Igreja, do agente, do clero. Os agentes de pastoral (não importa sua condição dentro da Igreja) devem sempre tomar a iniciativa, ir ao encontro. Sair da cômoda posição de ficar esperando que se venha ao nosso encontro. "Você já se perguntou por que faz esse trabalho? Qual foi a motivação que fez você tomar a iniciativa para atuar como agente de Pastoral?"
Terceiro passo, Dialogar. "Só conhecemos o outro quando conhecemos sua história. E para conhecê-la é preciso ouvir e dialogar". O versículo 17 nos dá pistas de como iniciar um diálogo frutuoso: "Que palavras são essas que trocais entre vós?" Perguntar o que se passa. Como se está sentindo. Se você está fazendo uma entrevista para o matrimônio perguntar aos noivos porque decidiram se casar na Igreja, por mais que esta pergunta não esteja presente no questionário burocrático. Existe outra questão na entrevista matrimonial que fala sobre sua prática religiosa. Muitas pessoas, pelo menos aqueles que eu entrevisto, dizem não ter prática religiosa (não vão à missa). Se não tem prática religiosa, porque querem casar na Igreja? Os noivos ficam sem reação. Parece que acende uma luz vermelha na mente e no coração. Então, pergunto: nem reza em casa? Aí surge uma esperança. Dizem que sim, de vez em quando. Quando estão necessitados.
Percebo que a fala dos noivos apresenta uma realidade vivida em todos as circunstâncias da vida, inclusive das pessoas que vivem na Igreja. Estão com o corpo na Igreja. Mas o espírito...! O que falo aqui serve para os agentes dos sacramentos da iniciação cristã: Batismo, Eucaristia, Crisma. Você que trabalha na Pastoral do Batismo já perguntou aos pais porque querem batizar seus filhos(as)? E aos padrinhos e madrinhas? Você catequista, já inquiriu seus catequizandos sobre o porque querem fazer a primeira comunhão? E aos pais porque desejam isso? Isso serve para a Crisma, o chamado Sacramento da Maturidade Cristã. Serão nossos jovens maduros o suficiente para receberem esse sacramento tão sério para a vida pessoal e da Igreja?
O diálogo serve para que possamos aprofundar a evangelização. Entender o que se vai no coração do outro para falar do Reino de Deus.
Quarto. Acolher. "Acolher, e escutar, sem a preocupação de aconselhar e resolver os problemas do outro". Acolher "é centrar-se na fala do outro e oferecer sua mão sob forma de silêncio". O agente de pastoral que sabe "fazer isso, certamente captará a confiança do outro" e dará o primeiro passo para o diálogo.
Quinto. Confrontar. A palavra parece forte e pesada. Indica-nos uma situação de cobrança. Ninguém gosta de ser confrontado porque faz pensar em suas ideias e práticas. Muitas vezes, consolidamos nossas práticas religiosas. Instalamo-nos confortavelmente em nossas ações pastorais e pessoais, e não gostamos do confronto. Deixar-se confrontar-se é uma atitude de quem está em constante busca de conversão. Foi assim com Nicodemus. Foi assim com os Discípulos de Emaús. Após ouvir e acolher, Jesus os fez confrontar-se com suas ideias: "Ó homens sem inteligência e lentos de espírito em crer em tudo o que os profetas anunciaram!".
Com certeza, aqueles discípulos não gostaram do confronto. Devem ter pensado como um forasteiro nos diz o que devemos pensar em relação àquilo que vimos e vivemos nestes dias? Entretanto, "é um confronto direto que nos faz amadurecer nossa fé. Confrontar é transmitir a verdade com amor. (...) O confronto vai ajudá-lo a retomar o caminho e fazê-lo aprender a ver a realidade de outra maneira e aprender a convier com as limitações".
Sexto. Ensinar. Etmologicamente, esta palavra significa colocar um sinal. Marcar. "Ao mesmo tempo que confrontamos alguém temos a oportunidade de ensinar: 'e começando por Moisés..." (v. 27). O encontro (confronto) pode despertar sentimentos positivos ou negativos. Ensinar é mostrar que existe uma ralidade que vai além daquela que se vê, ou daquela que experimentamos, seja ela positiva ou negativa.
Sétimo. Fazer Comunhão. "Fica conosco!". "Quando temos a oportunidade de conversar com alguém que nos dá atenção queremos sempre estar em contato. Isso porque desperta em nós sentimentos de confiança e amizade".
"Fica conosco". "É um convite para comunhão mais profunda". "Como é bom ter alguém por perto nos momentos de incerteza". Muitas vezes, é preciso mais do que apenas um sacramento ou bênção. É necessário um aperto de mão ou abraço caloroso. Um "gesto de afeto que traga coragem e esperança".
Oitavo. Revelar. "A mesa é o lugar da revelação". Muitas revelações acontecem ao redor das mesas: negócios fechados, revelações familiares. Jesus se revela no partir o pão. "Partir o pão significa partilhar a própria vida". Quando nos colocamos à serviço do outro, reconhecemos nele a presença do Cristo, e ao mesmo tempo "revelamos Cristo para eles".
Nono. Converter. "A conversão não acontece de uma hora para outra". "Não basta um sói momento para a conversão". O "agente de pastoral tem um papel" importante neste processo. A "conversão deve ser entendida com uma nova maneira de pensar e encarar a vida. O convertido se torna testemunho para o outro".
Décimo. Testemunhar. "Testemunhar não é guardar para nós mesmos como um tesouro tudo o que vemos e ouvimos". O versículo 33 narra a experiência do convertido e missionário, aquele que testemunha o que viu: "Partiram imediatamente. Voltaram para Jerusalém. Narraram os acontecimentos do caminho e como haviam reconhecido Jesus no partir do Pão".
Irmãos e irmãs, a paróquia deve ser o lugar onde aprendemos a ser discípulos. Mulheres e homens de fé. De conversão. Acolhedores. Partícipes da Mesa Eucarística nos tornaremos anunciadores do Reino de Deus.
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